8 de mar. de 2015

Não se esqueça, vó.. pois jamais me esquecerei


Eu queria saber como começar algo assim, mas é bem difícil. 

Eu poderia iniciar pelo hoje, e fazer uma digressão temporal, voltando no tempo data a data, até chegarmos a um princípio. Ou poderia começar lá por 1988, quando a senhora foi pega de surpresa com a notícia da chegada do primeiro neto. Eu adoraria saber como a senhora reagiu à ideia de ser avó, logo a senhora, Dona Irene, sempre tão vaidosa e inimiga dos sinais do envelhecimento.

Mas ser tão racional assim é tarefa um tanto árdua neste momento. Eu prefiro me entregar à emoção. Eu prefiro deixar que as lembranças surjam pouco a pouco na minha mente, nesse embalo de múltiplos sentimentos que explodem no meu peito, no meu âmago, na minha essência.

Cada neto teve suas histórias, e as minhas, sem dúvidas, foram muito especiais...


Sempre fomos muito próximos. Me lembro que por um bom tempo na minha infância eu dormia com a senhora, naquela cama larga e gostosa, com cheirinho de vovó. 

Sua casa também era minha casa.

E quantas e quantas vezes assistíamos ao Silvio Santos nos domingos à noite! Em nome do Amor, Topa Tudo Por Dinheiro, e o seu preferido: Programa Tentação. "Aonde a vaca vai, o boi vai atrás, aonde a vaca vai, o boi vai atrás.." E tinha a música de abertura de O Cravo e a Rosa. Chocolate com Pimenta, Malhação, e tantas mais que víamos juntos..

E recordo perfeitamente o dia em que a senhora me disse que eu já estava grande demais pra continuar dormindo lá na sua cama. Confesso que não gostei muito. 

Fui então transferido para aquele colchão de solteiro que a senhora cuidadosamente arrumava ao pé da sua cama, uma caminha gostosa, naquele chão de tacos; colchão aquele encabeçado pela sua antiga máquina de costura. Sabe, eu adorava brincar no vai-e-vem daqueles pedais. E assim foi por anos..

Ao acordar de manhã para ir à escola, aquele leite com chocolate na caneca vermelha. E as bolachinhas de maizena que ficavam na lata. No armário.

E o pão-de-ló que eu tanto amava. E o pudim. A calabresa feita na frigideira. Os nuggets de frango no entardece do horário de verão, enquanto eu jogava bets na rua. E a polenta com carne moída naquela travessa de vidro. O feijão com um caldo bem ralinho por cima...

E todas as vezes que pedia minha ajuda para cilindrar o pão. Ou para fazer aquelas bolachinhas que eu tanto e tanto e tanto amava!

E quando me dava uma nota de dois reais e me dizia que era pra comprar alguma coisa diferente, que eu tinha vontade de comer. Eu nunca disse antes, mas isso me quebrava inteiro por dentro..

Ou então quando eu ia de bicicleta na casa da mulherada fazer cobrança das lingeries que a senhora vendia. Às vezes eu ganhava um trocado e virava a criança mais feliz do mundo!

O barulho de seu carrinho de feira nas quartas de manhã em direção à rua Caracas. O pastel da feira.

Aqueles pedacinhos carinhosamente cortados de mamão e melão que a senhora levou pra mim num saquinho, lá na Feira de Ciências do colégio Pioli, enquanto eu cuidava da exposição.

E quando me levou para ver a Catedral de Maringá enfeitada para o Natal, e eu tive aquela dor de barriga horrível e fui usar o banheiro público da praça. A senhora ficou preocupada, mas foi engraçado.

E a senhora cantarolando "Tomara que chova três dias sem parar, Tomara que chova três dias sem parar" após períodos longos sem chuva..

Lembra de suas orientações financeiras sobre como eu deveria ficar com apenas 10 ou 20% do meu futuro salário, e dar o restante para os pais? rsrs 

E todas as vezes que me pedia para não ir embora, pois já estava muito tarde, estava à noite e era perigoso andar sozinho por aí. E que no outro dia teria que voltar mesmo, então já fica e dorme e pronto.

E aquele natal na casa da tia, quando o papai noel me deu uma caixa de bombom,e eu achei incrível, pois nunca antes na vida tive uma caixa de bombom só pra mim! Mas eu abri e não tinha bombom. Tinha uma linda camiseta azul que a senhora comprou. Eu fiquei triste mesmo assim porque queria o bombom, ta. Me desculpa rs 

E era incrível a nossa química no amigo secreto em família! Quantas e quantas vezes eu tirei a senhora... aqueles vasos, enfeites e mimos que a senhora tanto gostava!

E todas as vezes que, eu já morando bem longe, a senhora reclamava: o Weslley não vai vir aqui esse fim de semana? Cade ele?... Eu fiz o bolo que ele gosta. Por que você não veio ontem? Mas já vai embora?? Senta aí, tá muito cedo ainda.

Eu não vou ter do que reclamar. Só agradecer. Eu só queria que a senhora fosse muito feliz, sempre. 

Te ver sofrer me fez sofrer e por isso prefiro lembrar de tudo de lindo que vivemos. 

Hoje sua mão já não pode mais apertar a minha, como no domingo passado naquele hospital.  Já não posso afanar seus cabelos finos e castanhos. Já não tenho seus beijos molhados e seu "Deus te acompanhe". Ainda não concebi a ideia de que tudo isso está realmente acontecendo. Mas tudo espero que a senhora não se esqueça de nossa última conversa, naquela triste sexta, quando a senhora já não podia pronunciar uma palavra sequer, todavia me acompanhava com seus lindos olhos esverdeados  e seu coração quebrantado: a gente ainda vai se encontrar, e se abraçar, e rir muito juntos. Não se esqueça, Dona Irene, porque eu não vou me esquecer.

Até lá, vai ficar um espaço aqui, um vazio que ninguém nem nada poderá preencher. Esse espaço te pertence. Ele é só teu, minha linda. Minha segunda mãe. Senhora de meus fins de semana, dos almoços de domingo, e de toda minha vida. Eu te amo, vou te amar hoje e pra sempre. 



Já com saudades imensuráveis, 
seu neto Weslley.








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